Ontem a Tribuna do Norte (página 2) trouxe um interessante artigo do Padre João Medeiros Filho a respeito do comportamento dos seres humanos, especialmente no ambiente digital. Vale a pena compartilhá-lo por aqui:
Por uma educação digital - Padre João Medeiros Filho
Há algumas semanas, educadores discutiam sobre o papel das redes sociais. Afirmaram que as mesmas contribuíram para diminuir a maledicência nas salas de espera dos consultórios e escritórios, nos salões de beleza e outros espaços de aglomeração. No entanto, cabem alguns questionamentos: por que tanto ódio nesses meios de comunicação? Por que muitos expõem ali o que há de mais perverso e maldoso? Quem navega por eles, verifica que o adversário virou inimigo; o opositor, desafeto; o diferente, antagônico; o próximo, desconhecido ou ignorado. Nota-se que a razão está se afogando num niilismo exacerbado. A emoção das pessoas anda à flor da pele. Explodem com surpreendente agressividade, imprevisível intransigência, ferocidade, incalculável violência e radicalismo.
Há décadas, estudiosos da mente humana procuram interpretar nossos sentimentos. Sigmund Freud, em "O mal-estar na cultura", descreveu que a vida em sociedade nos induz a reprimir pulsões (impulsos situados na fronteira entre o mental e o somático). O outro seria então o nosso limite. Jacques Lacan ensinava, na tensão entre os impulsos e a cultura, dispõe-se do recurso da linguagem. E, no entanto, esta é ambígua. "Uma fonte de mal entendidos", na expressão de Exupéry. Assim, na vida social, como por exemplo, no trânsito, somos capazes de duas atitudes: a primeira, ver a sinalização e procurar conduzir de modo a evitar acidentes; a segunda, ignorar os semáforos e arvorarmo-nos do direito de fazer o que quisermos. Parece ser esta última, a postura em vigor daqueles que atualmente perambulam pelas redes sociais.
Elas, cada vez mais, vêm mostrando o declínio dos comportamentos descritos pelos que estudam o fenômeno da psiqué. Estão se tornando um somatório de individualidades recolhidas a suas respectivas trincheiras de agressividade. Muitos se encastelam no próprio ego e perdem horas no pingue-pongue narcisista em torno de vidas alheias. Não comunicam ideias, sugestão ou atividade. Verifica-se que se criou o apertador de botão ou digitador. E este já não precisa mais conter suas pulsões e moderar sua linguagem. Julga-se inatingível. Acima de qualquer padrão civilizatório, capaz de ditar regras de educação recíproca, ele se reveste da condição de um juiz implacável com direito a ofender e ridicularizar aqueles que por eles são considerados réus de suas amargas emoções. Nessas incontroláveis redes, o ego implode o superego, abrindo o caminho para que venham à tona os instintos mais primitivos. O assassino virtual promove a morte simbólica de todos os que são o alvo de seu ódio. A única diferença é que não aperta o gatilho, apenas digita um teclado.
As ditas redes sociais impelem à satisfação imediata, ignorando sumariamente a escala de valores. Elas infantilizam, fazem a pessoa retroceder à fase pueril ou à ausência do uso da razão, de uma menoridade construída pelo chamado virtual, levando tantos à irresponsabilidade. Destitui-se o sujeito racional que deveria ser promovido. As "feras" do inconsciente afloram. A serpente que habita no ser humano expele, enfim, o seu veneno. Não se pode saciar todos os desejos. Esquece-se prontamente que os limites são intrínsecos à liberdade humana, fundando-se nas opções e não nas compulsões. Porém, na era da internet e das redes sociais, o inconsciente pretende ser livre de suas amarras. E isto tem favorecido uma postura de desprezo pelos direitos humanos e pela democracia. É mais do que hora das escolas, famílias, igrejas e outras instituições cuidarem da educação digital das novas gerações. Não basta dominar as tecnologias. Elas são apenas ferramentas. Uma sociedade de conhecimento se constrói com conteúdos humanísticos, respaldados pela ética e solidariedade. Sem avançar nessa direção, corremos o risco de inviabilizar o projeto de uma humanidade ancorada na justiça e voltada para a paz. Parece que se presencia a veracidade ou a comprovação do axioma latino: "Homo homini lupus est" (o homem é lobo de outro homem), na frase criada por Plauto em sua obra "Asinaria".