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A SAF “Pirata” do América e a Responsabilidade de Cada um.
Por Ernesto M. Teixeira de Araújo, advogado, mestre em direito e sócio do América FC.
“Em casa de ferreiro, o espeto é de pau”. Nenhum ditado popular se aplica tão bem ao América quanto esse. Em um clube que tem, ao longo de sua história, conselheiros e dirigentes que foram ou são advogados renomados na nossa cidade, professores de direito e membros do judiciário, é impressionante o quanto as questões jurídico-organizacionais são deixadas em segundo plano, desafiando a lógica do próprio ordenamento jurídico brasileiro. O processo de constituição da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é apenas mais um exemplo dessa desorganização que se soma a diversas outras recentes, como na própria reforma do Estatuto Social levada a cabo nos últimos anos.
Após meses de due dilligence e negociações, o América deu início ao processo SAF em abril deste ano, analisando uma proposta vinculante de investidores advindos do clube Azuriz que se reuniram em uma nova empresa: a Hi.pe Participações S.A. Segundo a proposta, que foi ajustada posteriormente nas negociações, algumas condições precedentes precisam ser cumpridas para o fechamento do negócio.
A primeira condição foi cumprida logo no último dia 20 de abril, qual seja, a autorização pela Assembleia Geral do clube, conforme o Estatuto Social, da constituição de uma SAF. Cerca de 20 dias depois, no dia 09 de maio, foi aceita, pelo Conselho Deliberativo do clube, a proposta vinculante feita pela Hi.pe. A partir da assinatura da proposta vinculante, que passou por alguns ajustes solicitados pelo clube, no dia 20 de maio, iniciaram-se dois processos que deveriam correr de forma simultânea até o fechamento do negócio.
De acordo com o item 4 da proposta vinculante (“Condições Precedentes”), caberia ao América-Associação realizar as seguintes ações:
Constituição da SAF, com a devida subscrição e integralização do seu capital social pelo Clube em 100% das ações. Para isso, o procedimento mais comum consistiria em (a) aprovar um ato constitutivo, e seu estatuto social inicial, com o registro na Junta Comercial, adquirindo sua personalidade jurídica. No mesmo ato, deve-se eleger o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal e a Diretoria da nova companhia; (b) realizar, por meio de auditoria independente, a avaliação dos ativos de futebol que serão objeto do capital social da empresa, aprovando-a em sede de Assembleia Geral da SAF, com o consequente “dropdown” desses ativos no capital social da SAF.
Substituição do América-Associação pelo América-SAF no contrato de uso que mantém com a Arena das Dunas.
Registro da alteração e substituição do América-Associação pelo América-SAF na FNF e CBF para que a SAF passe a ter os direitos inerentes de participação nas competições estaduais, regionais e nacionais que o América-Associação detém atualmente.
Simultaneamente, a Hi.Pe e o América-Associação deveriam negociar os contratos finais da operação, com a aprovação final do Conselho Deliberativo dos seguintes documentos: a) o contrato de investimento que reproduz as condições da proposta vinculante; b) o acordo de acionistas entre América-Associação e Hi.pe para tratar da governança da SAF; c) o Contrato do arrendamento da área do CT entre América-SAF e América-Associação; d) o contrato de cessão de uso de propriedade intelectual entre América-SAF e América-Associação. Cumprindo-se todas essas condições precedentes, a operação de aumento de capital com investimento da Hi.pe no América-SAF poderia ser realizada, com a aprovação em assembleia geral extraordinária da SAF da entrada da Hi.pe em seu capital social, que após a operação deterá 80% do capital votante.
Passado mais de dois meses da assinatura da proposta vinculante, temos que ontem foi discutida parte dos documentos finais da operação no Conselho Deliberativo, deixando-se, conforme noticiado pela imprensa, a decisão dos contratos de arrendamento e de Propriedade Intelectual para nova Reunião a ser marcada.
Essa morosidade nos contratos finais eu compreendo, afinal é uma operação estruturada que leva tempo para se pôr de pé. Porém, o que me incomoda é que não temos qualquer notícia do cumprimento das condições precedentes que cabe apenas ao América-Associação realizar. Em consulta ao site da JUCERN (Junta Comercial do RN) ou ao sistema de CNPJ da Receita Federal, não encontramos a existência do América-SAF. Ressalta-se, a diretoria executiva do clube já tem a autorização da Assembleia Geral para constituir a SAF. Sem a constituição da SAF, não temos a auditoria para avaliação de ativos que irão compor o capital social da SAF, não temos a eleição dos membros dos órgãos da companhia, não temos registro na FNF e na CBF, e tornam a vigência dos contratos definitivos dependentes dessa criação.
Num clube tão lotado de juristas, é incompreensível essa demora, já que a proposta vinculante já foi aceita. Aliás, a última notícia sobre o assunto saiu da boca do próprio CEO da Hi.pe ainda em junho, em entrevista à Tribuna do Norte, na qual informou que os documentos de constituição da SAF estavam prontos e que o América-Associação encaminharia ao registro na JUCERN na semana em que foi publicada tal entrevista. Isto posto, é imperioso questionar ao América como está o processo de constituição da SAF? Já foi encaminhada à junta para registro? E a auditoria de avaliação dos ativos já foi contratada? Infelizmente a imprensa potiguar acaba, muitas vezes, só focando na negociação dos Contratos Definitivos da operação, sem questionar o clube quanto às suas obrigações.
Toda essa morosidade em tomar medidas que só dependem de si mesmo é a síntese do que o América Futebol Clube se tornou após a crise da virada do século, na qual se desorganizou profundamente e que ainda hoje não conseguiu ser funcional.
No caso desse processo, ainda temos um agravante, consistente na antecipação de investimentos da Hi.pe no departamento de futebol e na infraestrutura do CT, sem sequer a SAF estar constituída. A Hi.pe, desde abril, investiu em contratações de jogadores, comissão técnica, cargos de direção, direção de marketing, e fez um investimento vultuoso na infraestrutura do CT, além de gerir o dep. de futebol em conjunto com a Associação.
Essa entrada da Hi.pe sem nem a SAF estar constituída, pode configurar uma irresponsabilidade sem precedentes no Clube, pois, por motivos lógicos, a antecipação de investimentos configura em uma operação de mútuo, que se tornará dívida para a associação, eventualmente a ser compensada na operação de aumento de capital na SAF, no fechamento da operação.
Levando ainda em consideração que a Hi.pe. se mostrou incompetente na gestão de futebol, tudo isso pode custar ainda mais caro, com eventual rebaixamento à Série D e redução do valor de mercado do América, o que seria ruim para ambas as partes. Sobre isso cabem algumas questões: a) como está, juridicamente falando, feita essa antecipação de investimentos? B) será compensada na conclusão da operação? C) foi assinado algum contrato entre clube e Hi.pe para que tenha sido levada a cabo essa antecipação? Conhecendo o América, o medo que faz é que tenha sido um contrato verbal, o popular contrato de “boca”.
Outro ponto é ainda mais preocupante. A Proposta Vinculante prevê que enquanto os Contratos Definitivos não forem celebrados “nenhuma das partes estará obrigada a consumar a Operação”. Em outras palavras, o América Futebol Clube corre algum risco de a operação não ser consumada e resultar numa dívida milionária com a Hi.pe por pura irresponsabilidade das partes.
Todo o relatado aqui demonstra que o América, atualmente, é uma SAF “pirata”. Terceirizou o departamento de futebol sem constituir os instrumentos adequados para tal. E a responsabilidade por eventual insucesso da operação, e o insucesso em campo, será compartilhada, com a maior responsabilidade caindo nos ombros do combalido América Futebol Clube.