Hoje é 365.º dia da minha adoção da recomendação de recolhimento domiciliar aqui no RN. São 365 dias em que a vida mudou e muito.
Neste ano de pandemia, minha carreira de professora foi abruptamente encerrada. Pelo menos eu acho que foi encerrada pois não vejo mais perspectiva de volta com uma pausa tão grande.
Em boa parte desse tempo tive que me acostumar a sair de casa sozinha para fazer compras, uma novidade para mim, que adoro sair acompanhada até para fazer uma operação em caixa eletrônico.
Diversas vezes chorei no carro a caminho do supermercado ou de casa, assustada com a perspectiva de um mundo muito diferente, solitário e com muitas perdas de vidas humanas.
Passei a chorar em casa, nas conversas do dia a dia, tamanha era a raiva e também a angústia de ver que ainda há muito a ser feito para que possamos ter um pouco de paz.
Conheci o UberEats para a necessidade eventual de comer besteiras, as chamadas de vídeo no WhatsApp com a família, as "lives", primeiro com artistas, depois com as amigas na tentativa de relembrar um pouco dos nossos encontros.
Tive que me acostumar com um programa de rádio do América feito por vídeo (não sou amiga de vídeo) e com audiências até de instrução e julgamento realizadas por videoconferência. "Tá me ouvindo?" e "Seu microfone está desligado" viraram hits do dia a dia.
Eu, fã da experiência de comer fora de casa, não sei mais o que é isso. Foram meses sem ter coragem de comer um sushi por entrega, até que a vondade superou o medo em algumas ocasiões.
Perdi as contas das vezes em que apresentei sintomas de Covid-19 a cada ida ao supermercado. Fiz exames que me mostraram o poder que a mente tem de influenciar a sintomatologia, como um brasileiro que vivia em Wuhan na época dos primeiros casos relatou numa reportagem na TV.
Entrei em contato com gente confirmadamente contaminada sem que eu fosse atingida fisicamente; mentalmente é outra história. Nem sei quantas não confirmadas ou que não me avisaram passaram perto de mim.
Suspendi as idas de mamãe à fisioterapia até que ficou claro que não dava mais para ela perder sessões.
Fiz uma máscara caseira e comprei diversas outras. Saio com elas no rosto até no carro para nem ter perigo de esquecê-las. É com elas que recebo até quem aparece no portão.
No início, vivia uma rotina de striptease no quintal de casa e banho no chuveiro da área de lazer a cada saída. Abandonava roupas e sapatos por lá mesmo. Era um certo exagero, mas não me arrependo. Ninguém peca por cuidar demais. Depois entendi, por exemplo, que ninguém lambe sapato nem chão para que seja preciso desinfectá-los.
Nunca dei banho em pacotes de comida ou sacolas plásticas. O único item que ganhava e ganha tamanha atenção é o garrafão de água mineral. Deixei de comprá-lo nessas entregas de bairro para adquirir no supermercado - menos uma pessoa dentro de casa.
Passei a caminhar de dentro para fora de casa (e vice-versa) todos os dias. Conto nos dedos às vezes que essa caminhada se deu no campus ou na praia, sempre no horário mais quente da manhã, para evitar aglomeração, e de máscara.
Pensei até em vender o carro pelo tanto que ele não estava sendo usado e o peso do seu gasto para quem perdeu 1/3 da renda e viu a disparada inflacionária dos itens básicos da vida. Desisti pelo risco que as outras formas de transporte representam na pandemia.
Vi familiares, amigos e até vizinhos promoverem festas e aglomerações com grupos que não vivem na mesma casa e acharem que estava tudo certo. Alertei o quanto pude, mas deixei de me estressar. Quem é adulto é responsável por suas escolhas. Se alguém avalia que uma vida sem aglomeração não vale a pena ser vivida mesmo com risco de contágio de uma doença que pode matar ou sequelar por longo tempo, não serei eu que vou morrer de estresse pelo que pode vir a acontecer. Aviso e desapego da questão.
Tive coragem para uma única ida ao salão para cortar o cabelo nesse período, quando a transmissão deu uma arrefecida.
Não tenho mais o mesmo apego por jornais televisivos, redes sociais, futebol... Tudo em prol da sanidade. Descobri a capacidade de assistir vários episódios de uma série em sequência, algo que detestava antes.
A pandemia me empurrou ainda mais firme para a valorização de coisas que não têm preço, como ter quem amamos perto e com saúde.
Encontro pessoas e algumas só as reconheço quando a pessoa remove a máscara, tão refletida que fica nos meus olhos a confusão em que estou metida naquele momento.
Ainda hoje vejo todo tipo de muganga com a máscara: no queixo, na orelha, no pescoço, na testa, só na boca... Descobri que a imbecilidade humana é sem fim.
Há dias mais difíceis, quando a angústia pelas incertezas em relação ao futuro me joga lá para baixo. Aí sou feliz duplamente pelo amor que me acolhe e me levanta.
Há um ano eu vivia a ilusão de que tudo estaria resolvido em 1-2 meses. Hoje creio que vamos seguir nessa batida por todo 2021 e acho que nem teremos Carnaval em 2022. Perdemos muito tempo precisando provar (de novo) que a Terra é redonda, quando toda essa energia deveria estar concentrada em extirpar essa desgraça do Sars-Cov-2 das nossas vidas.
Enfim, foi um ano duríssimo, de muito aprendizado, de muita paciência e de muito sofrimento. Contudo, encontro espaço para agradecer por tudo isso também. Não sou mais a Raissa de um ano atrás. Todos não somos. Rezo também para que possamos evoluir o mais rápido possível para enxergamos uma saída deste pesadelo que nos assola.
Um ano se passou. Que não precisemos de outro ano e outro tanto de milhares de vidas ceifadas para que a ficha caia do que precisa ser feito.