América 3x4 ABC ainda vai repercutir por algum tempo. Pelo menos foi o que senti tanto da torcida como do técnico do América ao acompanhar América 0x0 Botafogo pela Rádio Mecão. E isso é bom e ruim. Diria que é mais negativo do que positivo.
O clássico mostrou alguns defeitos exacerbados no América. O problema de recomposição após ataques ficou muito mais evidente. A dificuldade de Geninho no um contra um também assustou. A queda de rendimento de Leandro Melo parece sem fim. E o surgimento de um enorme espaço entre os setores na hora de se defender, especialmente entre meio e defesa, foi destacado. Ainda assim, o América não mereceu a derrota, como todos reconhecem.
Corrigir tudo isso era muito importante, mas sem desguarnecer o que América tinha e tem de melhor: a ofensividade, a vontade urgente de retomar a bola para buscar o gol. Só que o baque foi tamanho que Waguinho Dias partiu do 8 para o 80 e cancelou a linda marcação pressão (a tal marcação alta da modernidade) que seu time vinha exercendo nos adversários e que encantou a torcida. Afinal, não é todo dia que vemos no futebol brasileiro, ainda mais no RN, um time que não se contenta com 1x0 a seu favor e parte em busca de ampliar indefinidamente sua vantagem.
O América esteve muito bem na recomposição no jogo de sábado. O Botafogo praticamente não teve chances de contra-atacar. Suas melhores chances aconteceram uma numa falha de Leandro Melo, que perdeu uma bola no momento que o América avançava para um contra-ataque, o que obrigou Ewerton a uma excelente defesa cara-a-cara com o jogador adversário, que veio pelo meio da área, e outra num escanteio em que Dico, numa verdadeira providência divina, sozinho, cabeceou para fora.
O América atacou e, principalmente, contra-atacou, mas sem aquela volúpia de retomar a bola. A volúpia era mesmo impedir os contra-ataques do Botafogo. Se o adversário passava de um jogador americano, outro chegava imediatamente para acabar com a festa. E como o árbitro estava com problema em enxergar faltas nos nossos jogadores, o América logo, logo ficou com 3 jogadores com cartão amarelo.
O time de Waguinho produziu umas quatro chances claríssimas de gol, mas o goleiro Samuel bancou o estraga-prazeres em todas elas e para mim foi o melhor em campo, coroadíssimo no lance em que fez duas defesas-milagres em sequência nos chutes de Adílio e Leilson, ambos com endereço certo.
Se Waguinho acerta - e bem! - o time no intervalo, o mesmo dom não apareceu nos últimos dois jogos na hora das substituições, principalmente quando optou pela saída de Tiago Orobó, algo que se repete desde a primeira rodada. Imagino que tenha sido cansaço o problema em todos, mas no clássico e ontem, centralizar o único atacante que entende bem a função e deixá-lo mais livre parecia ser o mais certo a fazer para aproveitar a velocidade dos que entraram depois. E olha que Waguinho surpreendeu positivamente ao centralizar Dione e colocar Wilson na direita e Tiago Orobó na esquerda no 2.º tempo de ontem. Deu tão certo que este foi o momento de maior pressão do América para cima do Botafogo. Só que ele desistiu depois e colocou Felipe Pará, que já provou que só funciona bem se tiver um centroavante de referência com ele. Sem Wallace Pernambucano principalmente, Felipe é inofensivo. O resultado foi um América conformadíssimo com o 0x0, mesmo que houvesse tempo para buscar o gol maduro desde o primeiro tempo.
Outra coisa: não entendi a saída de Daniel Costa. As triangulações com Rato e Renan Luís estavam funcionando bem e o meia finalmente parecia um pouco mais solto em campo, juntamente com Leilson. Se as triangulações pararam de funcionar, isso se deve muito mais ao cansaço de Renan Luís, que sumiu, tanto ofensivamente quanto defensivamente, e aqui sim deveria ter ocorrido a entrada de Michael, reconhecidamente lateral mais defensivo, o que liberaria mais o meio para encostar no ataque ante a diminuição da preocupação com os contra-ataques do adversário. O mesmo problema ocorreu com André Krobel, longe daquele da pré-temporada, mas ainda dono de cobranças de falta perigosas, embora os cruzamentos tenham sido capengas neste jogo. E são essas cobranças de falta que justificam sua permanência em campo, apesar do cansaço.
Outro que poderia ter sido substituído era Leandro Melo. Vencer o jogo não é só mexer no ataque. Cansado, sem render bem e com um cartão amarelo, a não saída de Leandro Melo para a entrada de Gustavo, por exemplo, só pode ser creditada a duas coisas: Gustavo não agrada e as críticas (injustas a meu ver) pela saída de Leandro no jogo anterior (o América não perdeu por não ter Leandro Melo em campo. Afinal teve o jogo todo e parecia não ter...).
Mas eu preciso deixar algo muito claro aqui: apontar defeitos é vontade de vê-los corrigidos. E corrigir defeitos não é mandar um treinador embora para recomeçar do zero com outro. Estamos em início de temporada. Waguinho é um bom treinador, entendeu o baque do clássico, optou por mostrar que seu time também sabe jogar de outra forma quando for necessário e impediu um novo choque emocional. Se no clássico a torcida entendeu que a derrota foi injusta e aplaudiu o time no fim, ontem preferiu não entender as grandes defesas de Samuel e vaiou o time por ter se conformado "cedo" com o 0x0. Não era para tanto. Os outros jogos da 1.ª rodada da Copa do Nordeste mostram bem isso. Entretanto, a torcida do América é assim mesmo e quem vier para cá precisa aprender a lidar com esse caldeirão. Sorte de Waguinho que o América tem logo duas oportunidades nesta semana para desfazer esse desgosto da torcida: contra o Potiguar na quarta e um novo clássico, agora pela Copa do Nordeste e com mando de campo do adversário, no domingo que vem.
Se já mostrou que sabe ir de 8 a 80, certamente achando o equilíbrio as coisas se ajustam para a temporada que todos almejam. Trabalho, paciência e convicção são fundamentais para quem sabe aonde quer chegar. Roma não foi feita num dia. E facilidade para o América é coisa que nunca vi. Um passo de cada vez.