O encontro com o ministro Luiz Fux será em sua casa, numa das quadras internas do Lago Sul. Da transferência do Supremo até o governo Collor os ministros tinham à disposição apartamentos funcionais, e moravam neles. "Apartamento funcional" é típica instituição brasiliense. Os apartamentos dos ministros empilhavam-se todos no mesmo prédio, de propriedade do tribunal. Na sessão plenária que julgou o foro privilegiado, o ministro Gilmar Mendes contou o comentário que ouviu a respeito do juiz Antonin Scalia, famoso campeão do conservadorismo na Suprema Corte americana. "Ah, Brasília, aquela cidade feita por um arquiteto comunista?", disse-lhe o americano. "Fizeram um prédio para os juízes morarem. Eles divergem, brigam, e depois têm de se cruzar no corredor e no elevador. Gostei de saber que os comunistas não conhecem a alma humana."
Collor se propôs a acabar com os apartamentos funcionais e vendeu vários. Do Supremo restaram algumas unidades - Celso de Mello e Fachin são alguns de seus moradores. Outros ministros moram em casas - Fux, Barroso, Cármen Lúcia. Morar no Lago Sul é chique, mas a casa de Fux não é. O ministro está atrasado, e ao chegar se desculpa. Foi retido no Tribunal Superior Eleitoral, do qual está no exercício da presidência, porque hoje (26 de abril) é seu aniversário e lhe fizeram uma festinha. Não há quadro nas paredes da sala. A um canto repousam, no chão, em seus estojos, uma guitarra e um baixo; uma bateria completa o trio. O ministro é roqueiro, como sabe quem viu sua performance na festa de despedida do ministro Joaquim Barbosa do Supremo (está na internet).
Fux percorreu "carreira completa", diz ele, de magistrado; juiz singular, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ministro do Superior Tribunal de Justiça e, em fevereiro de 2011, ministro do Supremo Tribunal Federal. Por isso, fora a responsabilidade que aumentou ao ganhar a missão de "uniformizar o ordenamento jurídico nacional", o STF não teve para ele "nenhum mistério". Para ascender à mais alta corte, teve o apoio de Sérgio Cabral, então governador, e de Antonio Palocci, então ministro da Casa Civil. "Sem apoio político não se consegue", diz. "Nomeação para o STF exige o mérito mais apoio político." Tinha o apoio de Cabral, seu conterrâneo, mas precisava também de São Paulo, "a caixa de ressonância nacional", e procurou Palocci, a quem conhecia de um processo de interesse do governo que relatou no STJ. O então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também ajudou.
Critica-se a "judicialização" da política, mas o fato é que "o Congresso se acostumou a jogar seus conflitos para o STF", diz o ministro. Quando o pastor Feliciano, adversário das demandas dos gays e detrator da África como berço do " paganismo, do ocultismo, da miséria, a aids e da fome", foi nomeado presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, partidos que desejavam obstar a nomeação recorreram ao Supremo. Reação de Fux, a quem coube apreciar a matéria: "Vocês é que resolvam. Não tenho nada a ver com isso". Em contrapartida, mandou sustar o projeto que continha medidas de combate à corrupção. Tratava-se de uma iniciativa popular, e como tal não podia ser mexida. Alguns deputados a encaparam como sua de forma a poder alterá-la - e a desfiguraram a ponto de virar projeto contra o abuso de autoridade.
Na mesa ao centro dos sofás e das poltronas em que nos sentamos, entre pilhas de publicações jurídicas e de outras ordens, sobressaem um grosso volume intitulado The Beatles e outro que trata da saga do povo judaico. O ministro é judeu, o primeiro judeu a chegar ao STF. O primeiro, sim, mas já não seria o único. Luís Roberto Barroso tem mãe judia, e como na tradição judaica a transmissão se dá pelo lado materno, explica Fux, Barroso seria o segundo. Os avós e o pai do ministro vieram da Romênia. Refugiados de guerra, os avós estiveram separados por três anos, antes de se reencontrarem no Brasil. O pai, brasileiro naturalizado, foi técnico em contabilidade e, já em idade madura, formou-se advogado. A família, de poucos recursos, morava no bairro carioca do Andaraí. Fux estudou no Colégio Pedro II, formou-se em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e seu primeiro emprego foi no departamento jurídico da Shell. Um dia a Shell lhe propôs transferir-se para a sede da multinacional, em Londres. Eufórico, Fux apressou-se em contar a novidade ao pai; recebeu em troca um banho de água fria: "Não gastei nada em sua educação", disse-lhe o pai. "Você estudou à custa do Brasil, em escolas públicas. Deve ficar aqui e retribuir o que o país lhe deu."
Fux ficou associado à controvérsia do auxílio-moradia dos magistrados. Em 2014 determinou monocraticamente seu pagamento a todos os juízes federais. Em março último, com a questão na iminência de ser julgada pelo plenário do STF, decidiu transferi-la a uma câmara de conciliação, a ser instalada pela Advocacia-Geral da União, e com isso jogou-a para sabe-se lá quando. O ministro é a favor do auxílio-moradia?
"Não sou a favor, mas compreendo o problema. Esta casa é alugada, 5.000 reais de aluguel. Nunca recebi penduricalhos, em toda a minha carreira, e disse aos presidentes das associações de juízes que deveriam abrir mão deles. Não fazem bem para o prestígio da classe. O que defendo é uma solução de compromisso, e tenho convicção de que ela virá: os juízes abrem mão dos penduricalhos e o governo passa a cumprir o mandamento constitucional de lhes dar reajustes salarias anuais."
Ele acrescenta: "Por que essa questão, neste momento? Não tenho dúvida de que foi por causa da Lava-Jato. Querem atingir os juízes que cuidam desses processos".