A cada dia mais, os clubes se voltam para a preparação fora de campo como forma de aumentar a probabilidade de sucesso dentro de campo. E essa preparação tem ficado cada vez mais detalhista, como acompanhamos na excelente entrevista realizada pela Tribuna de Norte (edição de domingo, página 2 do caderno de esportes), que aborda até o América de 2014, com o preparador físico do América Hebert Araújo e o mestre em Psicologia pela UFRN George Klinger, exatamente como grafada:
Qual a avaliação que você faz do calendário do futebol nacional?
Hebert: Com esse estreitamento do calendário e redução de datas para uma melhor preparação, prejudica. O futebol evoluiu de tal forma que a velocidade do jogo atualmente é totalmente diferente do que ocorria há dez anos. Isso faz com que os atletas que percorrem maiores distâncias, sofram um desgaste maior. Temos um parâmetro em fisiologia que demonstra o seguinte: um atleta que participa de seis partidas seguidas já passa a correr um risco de sofrer lesões, devido a intensidade de uma partida. O futebol exige uma melhor preparação física e carecemos dessas datas para preparar melhor o atleta para os jogos de quarta e domingo. Precisamos também de intervalo mais longos entre as partidas, um calendário mais justo.
Nos moldes que estamos hoje, qual seria o intervalo considera ideal entre as partidas?
O atleta até 72 horas após as partidas é considerado ainda em processo de recuperação. O ideal é que o tempo de recuperação entre um jogo e outro fosse de cinco dias.
Falando do RN. A estrutura que os nossos clubes possuem hoje, com elenco reduzido, qual o segredo que vocês desenvolvem para evitar um excesso de contusões?
Hoje o investimento a nível de grandes centros ainda não foi feito no futebol do RN. Faltam análises bioquímica, quando colhemos o sangue na hora em que o atleta sai do campo e sabemos dos riscos que ele corre de forma imediata. Mas fora isso, que seria o campo ideal, tem algumas fases que podemos estar observando, tipo, a avaliação de esforço de cada atleta, conseguimos também fazer avaliações isocinéticas, com uma parceira junto a universidade para ver como o jogador chega para gente em termos muscular. São algumas variáveis que temos, não tão fidedigna como as análises bioquímicas, porém já nos servem como parâmetro.
Além das questões técnicas, existe também a cabeça dos nossos dirigentes que não estão habituados a esses novos métodos da fisiologia. Como está se travando essa guerra?
Os dirigentes estão observando que a tendência do futebol é se profissionalizar, a maneira de fazer isso é com estrutura e planejamento. Isso vem evoluindo na cabeça deles hoje, a ponto de ver que o atleta necessita de um aporte melhor na concentração, necessita de uma alimentação melhor. Então essas coisas já vêm sendo realizadas. Acredito que a curto e médio prazos o futebol do RN irá evoluir nesses aspectos também, já podemos notar alguma evolução.
Qual orçamento médio necessário para se possuir um bom centro de fisiologia em um clube?
O que investe mais neste seguimento no Brasil atualmente é o Corinthians, mas em termos percentual seria necessário em torno de 10% da receita que o América hoje ganha por mês para podermos realizar um trabalho considerado bom na recuperação e prevenção de contusão aos atletas. Um grande clube investe de dois a três milhões de reais num centro de prevenção e recuperação dos atletas.
Com relação aos profissionais, podemos dizer que o Brasil está bem preparado nessa área?
Os profissionais aqui estão tendo uma excelente oportunidade, por que em anos atrás, a pessoa para conseguir alguma informação de um clube, saber o que estava se trabalhando nessa área dentro dele, era muito difícil. Todos eram muito fechados e dificultavam a circulação de informações. Hoje, com o avanço da tecnologia e da internet, você tem acesso em tempo real a informações sobre complemento de treinos, jogos, aquilo que está sendo trabalhado em cada clube. Em Natal, atualmente possuímos uma pós-graduação em futebol, na UNI-RN, com isso estamos conseguindo colocar no mercado excelentes profissionais e a safra só está aumentando. Temos como um bom exemplo disso o treinador do Globo, Luizinho Lopes, também podemos citar o Ranielle Ribeiro, do ABC. Já são promovidos cursos bem interessantes na área aqui também, trazendo profissionais de outros clubes para trocar experiência com os daqui e essa tendência tende a melhorar e aumentar essa troca de informações.
Como os atletas estão reagindo ao trabalho desenvolvido pelos profissionais dessa área? Existe preconceito? Eles escondem problemas para não correr o risco de ficar fora de uma partida?
O principal nessa área é você conseguir ganhar a confiança do atleta, hoje ele sabe que depende muito da parte física dele para que possa desempenhar um bom papel dentro de campo. Então procuramos mostrar isso em números para ele. Claro que sempre haverá um pouco de relutância, jogador não quer ficar fora do time apenas por um risco de contusão, ele acha que consegue jogar. Mas a gente procura sempre mostrar os riscos que ele estará exposto e convencer de que em caso de contusão, o tratamento deverá afastá-lo dos gramados por um período bem maior. Em 2014 o América montou um elenco muito bom, chegou as quartas-de-final da Copa do Brasil, mas o excesso de jogos acabou prejudicando o time, que foi rebaixado na Série B. Será que isso interviu? Será que os atletas se cuidaram o suficiente? Houve planejamento para se ir tão longe numa disputa nacional realizada de forma simultânea com outra? Tinha um elenco suficiente para promover o rodízio e impedir que o cansaço afetasse a produção da equipe? Tudo isso tem de ser discutido.
Na hora de montar os elencos, os dirigentes consultam o pessoal da fisiologia, que deve ter informações sobre a condição dos atletas?
A gente se reúne, começa o planejamento. Sabemos que o América em 2018 terá duas competições no primeiro semestre: Estadual e Copa do Brasil. Não será uma etapa tão corrida quanto a temporada de 2017, quando disputamos a Copa do Nordeste, onde no espaço de uma semana viajamos a São Paulo para jogar a Copa do Brasil, embarcamos direto para Salvador para atuar pela Copa do Nordeste no sábado e na terça seguinte, já estávamos embarcando para Mossoró para jogar pelo Estadual. Uma mesma equipe fazer bons jogos nessa situação é quase impossível.
Qual a diferença do futebol para o basquete e outros esportes, para que um atleta não consiga realizar tantos jogos seguidos?
Primeiro é a questão do volume dos esportes. A distância percorrida no futebol atualmente está chegando na casa dos 10 a 12 quilômetros. Na NBA me parece que é a metade disso e a intensidade do futebol também é maior, por que no basquete há muito rodízio e um atleta não fica em quadra direito durante os 40 minutos de jogo, ao contrário do futebol, onde se pode realizar apenas três alterações.
Com esse novo trabalho realizado nos clubes, está cada vez mais fora de questão o jogador dar uma de chinelinho, aquele que gosta de ficar encostado?
Com certeza, a gente prioriza o alto rendimento do jogador então estamos sempre mostrando que eles dependem do bom funcionamento do corpo, pois são donos da própria empresa que é o nome deles. Os atletas agora estão mais conscientes disso, anos atrás o atleta era mais cabeçudo, olhava muito com o nariz retorcido para esse tipo de serviço, mas agora já estão mais profissionais. O treinador sempre acata as informações que passamos para eles antes de definirem as suas equipes.
George, dito tudo isso, como a psicologia pode ajudar os clubes a terem um entendimento melhor dessas novas técnicas aplicadas no futebol?
Antes de pensar em qualquer coisas temos de nos preocupar como a psicologia irá se implantar num clube de futebol. Como ela pode intervir de forma mais efetiva e como ela será apresentada aos clubes, uma vez que a maioria deles não possuem um profissional dessa área no seu departamento de profissionais, apenas alguns já os tem. Hoje a lei determina que para possuir o selo de clube formador de atletas, necessita contar com uma equipe multidisciplinar trabalhando em suas categorias de base, mas no futebol profissional isso ainda não ocorre. Acredito que esse seria o primeiro passo para a gente entender como esse contexto está situado e só depois ver como um psicólogo poderia intervir neste cenário. Dentro desse contexto, o raio de ação seria bastante amplo, iria desde o auxílio aos aspectos ligados de recuperação mental, que hoje ainda é muito ignorada. Podemos auxiliar os atletas a programar melhor as suas rotinas e ter a dimensão psicológica do treinamento contemplado dentro dessa rotina. Podemos ensinar também técnicas de relaxamento, que possibilita ao atleta contemplar os aspectos da recuperação.
Essas técnicas podem ajudar os atletas a superar as dificuldades enfrentadas pelo América em 2014, auxiliando o grupo a compreender a disputa de duas competições importantes ao mesmo tempo?
Sim, a psicologia neste caso seria usada para complementar o trabalho das demais áreas, num trabalho integrado. O que pode ser feito num caso desses, acredito que a principal parte a ser atacada pela psicologia seria o aspecto do planejamento. Fazendo os atletas passarem por certos tipos de situação que os habituem a conviver com situação de pressão, intensidade de cobranças, por exemplo. Mas hoje a psicologia só é lembrada depois que a gente já tem um problema instalado, ela nunca é chamada para prevenir as ocorrências desses problemas. Uma vez que temos um calendário e não podemos modificá-lo, a tendência é que nos adaptemos a ele e a psicologia pode ajudar bastante nessa adaptação.