Leio muito, leio tudo e leio sempre. Acho que isso define bem a minha relação com a leitura.
Quando criança, era fascinada pela coleção de livros do meu pai. E encantada com a paciente leitura de revistas em quadrinhos que minha mãe fazia para mim quando eu nem sonhava em ler. "Que mundo fantástico era o da leitura e como será bom quando eu chegar lá!", pensava eu na maturidade dos 3, 4, 5 anos de idade.
A minha ânsia de ler era tamanha que assim que aprendi o alfabeto eu comecei a "ler". Assim, entre aspas. Eu achava que identificar as letras era ler. Então corria para as revistinhas e começava a soletrar as frases nos balõezinhos por horas. Ah, a inocência... E como não conhecia o "q", eu o batizei de "p ao contrário". Pronto.
Mamãe, como sempre, me deixou desfrutar da experiência primeiro para depois cortar minhas asas ante a óbvia constatação: ler não era soletrar.
Mamãe sempre foi assim. Numa outra experiência de infância, eu, muito intrigada por que alguns "fóscuros" funcionavam e outros falhavam, resolvi testar logo todos no afã de evitar a frustração de quem fosse acendê-los pela primeira vez, já que eliminaria da caixa os que falharam. Quando deu por minha falta e meu silêncio, mamãe foi me achar atrás do coqueiro do quintal riscando um a um todos os fósforos e contabilizando: "este prestou", "este prestou", "este falhou"... Ao ver a presepada, ela me deixou riscar todos e guardar os que funcionaram na caixa para então dizer: "Agora risque de novo os que prestaram". Acabou ali a a brilhante ideia de ajudar a humanidade a viver num mundo melhor eliminando logo da caixa os fósforos que falhavam.
Voltando à leitura, ela sempre esteve presente em minha vida desde os primeiros anos da infância. Descobri o que era tortura quando passei a ter que fazer exames de vista que dilatavam as pupilas e me impediam de ler durante uma semana por volta dos 12 anos. A agonia era tamanha que eu forçava os olhos de várias maneiras para achar um ângulo que me permitisse ler algo. Ficava até vesga para tanto. Mamãe terminou pedindo ao oftalmologista que usasse outro tipo de medicação, mesmo sendo de adulto, mas que não durasse tanto. Ufa!
Quando existia a Livraria Universitária no centro da cidade, eu ia quase que diariamente ao seu 2.° andar só para ficar admirando os inúmeros livros de lá como quem vai a um museu para ver quadros. Não sei como não me expulsavam como uma possível trombadinha. Foi lá que descobri uma necessidade: aprender inglês. Os livros de Agatha Christie eram todos em inglês e eu queria muito saber sobre o que aquela autora de tantos livros escrevia.
Cresci assim, arrodeada de livros, jornais e revistas os mais variados. Ler para mim é mais do que um hábito diário. É necessidade. Sua ausência me causa angústia insuportável. E até hoje não consigo entender seres humanos que dizem que não gostam de ler. Penso logo que não sabem o que estão perdendo. Ou que leram o livro certo, mas na época errada. E um sentimento de pena me invade.
Neste dia mundial do livro, publico aqui uma página da leitura de lazer que estou fazendo atualmente (não vale publicar os de Direito, né?) - na verdade, refazendo, porque é a minha autora favorita e sempre vale a pena ler de novo - e termino com uma paráfrase do famoso aforismo de Fernando Pessoa, que na verdade foi emprestado do general Pompeu: Ler é preciso; viver não é preciso.
Agatha Christie, Mistério dos Anos 50
(Na verdade, é uma coletânea da L&PM Editores com 4 livros da brilhante autora inglesa: Aventura em Bagdá - de onde saiu a página em questão, Um destino ignorado, Punição para a inocência e O cavalo Amarelo. Como é super difícil montar a coleção de Agatha, comprei essa coletânea porque não tenho os dois últimos títulos. Os dois primeiros já fazem parte da minha coleção. Mas vou reler e ler porque, enfim, adoro ler, adoro Agatha e assim tá tudo certo!)