Recentemente, a sociedade se sente amedontrada por uma crescente sensação de violência. Digo sensação porque não há dados estatísticos confiáveis a assegurar que a violência esteja maior ou menor que no passado. No entanto, o destaque dado pela imprensa a todo tipo de infrações, em especial na TV, causa a imediata sensação de que escapamos por sorte.
Quando essa sensação atinge certo nível, grupos da sociedade partem para a mobilização em busca de um endurecimento da lei penal. Foi assim com a criação esdrúxula dos tais crimes hediondos, frutos da ampla propagação do terrível sofrimento dos empresários Abílio Diniz e Roberto Medina, vítimas de sequestro, em seus cativeiros. Nunca soube se alguém deixou de ser sequestrado por que tal lei fora aprovada.
Agora, há enorme mobilização para redução da maioridade penal, atualmente 18 anos, para 16 anos. Nem vou discutir sobre o discernimento de alguém de 16 anos sobre se seus atos são ilícitos ou não. É claro que o tem. Jovens de 16 anos votam para presidente, têm contas bancárias e até constituem famílias (às vezes até com menos idade). O que a sociedade não percebe é que as cadeias atuais são verdadeiras universidades, com meros ladrões de galinha sendo recrutados para o exército do tráfico de drogas e sendo sistematicamente empurrados para uma criminalidade cada vez mais pesada, violenta.
É preciso cuidado para que o tiro não saia pela culatra. É certo que o Código Penal brasileiro com partes ainda de 1940 e 1984 precisa de uma ampla e séria reforma. O mesmo pode ser dito do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas antes de tudo faz-se necessário investigar a respeito da aplicação dessas codificações na realidade atual.
Nesta quinta, a Tribuna do Norte trouxe interessante artigo de Daniela Hashimoto e Tiago Toledo Rodrigues, promotores da infância e da juventude em São Paulo. No artigo, eles trazem dados interessantes sobre a falta de uma aplicação mais rígida do ECA levantados na capital paulista. 61,8% dos atos infracionais em fase de execução foram praticados com grave ameaça ou violência a pessoa, e, portanto, autorizariam a aplicação da medida de internação do menor sem prazo determinado (art. 122, I, do ECA). A reincidência em atos infracionais graves também autoriza essa medida.
Mas o estudo mostra que apenas 43,5% das execuções de medida socioeducativa envolveu algum tipo de internação (por prazo determinado, provisória e internação-sanção - respectivamente arts. 112, VI, 108 e 122, III, do ECA). Logo, obviamente a internação sem prazo determinado é aplicada em bem menos casos dentre os 43,5%.
Os promotores então demonstram que há um mito de excesso de internações em São Paulo (capital), já que uma medida que deveria ser aplicada em 61,8% dos casos não consegue nem ao menos atingir 43,5% dos casos concretos.
Ou seja, pelo menos em São Paulo, há um enorme grita para redução da maioridade penal, mas a aplicação do ECA de forma rígida quando necessária não se verifica na maioria dos casos.
É preciso então que a sociedade se mobilize para cobrar que varas de infância e juventude prestem contas de seus dados estatísticos e, de fato, apliquem o ECA com o rigor que a situação exige. Não podemos simplesmente empurrar mais gente para dentro de cadeias já superlotadas sem que a (in)eficácia dos instrumentos atuais seja comprovada.
Mover todo um ordenamento jurídico através do método de tentativa e erro, especialmente numa área tão crucial como a de punição de crimes, não é nem inteligente, nem barato. E a História mostra que o clamor social não combina com punição justa e eficaz. Pelo bem da própria sociedade.