Eu costumava acompanhar o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Lembro de alguns desfiles bem empolgantes como "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós" da Imperatriz Leopoldinense e "Explode, Coração" da Salgueiro. Neste último, um dos destaques chegou a sangrar nos pés de tanto sambar no carro.
Vi também "Ratos e urubus, larguem a minha fantasia" de Joãosinho Trinta numa Beija-Flor que trouxe o Cristo Redentor coberto por uma lona com uma faixa "Mesmo proibido, olhai por nós", ante a proibição que, dizem, partiu da igreja católica.
Vi o bi da Mocidade em 90 e 91 com "O Reino das Águas" e o "Vira, Virou". Alegorias impressionantes mudaram o tom do carnaval carioca.
Aliás, eu diria que os grandes nomes do carnaval carioca, que lhe deram mesmo um novo nível, são Joãosinho Trinta, Rosa Magalhães e, mais recentemente e de forma indiscutível, Paulo Barros.
Quais foram os destaques do carnaval dos últimos tempos? A troca de roupa em segundos e na frente de um público estupefato. Personagens que perdiam a cabeça no meio do nada. Alegorias humanas integrantes dos carros alegóricos.
No desfile deste ano, os destaques foram umas pernas que andavam sozinhas com uma mesa (Grande Rio); o enredo enlouquecedor e com alegorias inovadoras, inclusive com integrantes que pegavam fogo literalmente (Mocidade); uma enorme e lindíssima águia em formato de Cristo Redentor (Portela). Duas escolas saíram da Sapucaí aos gritos de "é campeã": Mocidade e Portela.
Perceberam que nenhum destaque veio da Beija-Flor? Aliás, o único destaque negativo foi da Beija-Flor: fez um desfile em homenagem a uma ditadura e por ela patrocinado.
Não empolgou. Há muito não empolga. Eu mesma já nem assisto mais ao desfile carioca. Quem viu desfiles aclamados pelo povo serem campeões não pode compactuar com essa onda que começou sabe-se lá quando de desfile tecnicamente perfeito. Que diabo é isso?
Onde estão os sambas-enredo na ponta da língua? A animação contagiante? As alegorias de cair o queixo? As inovações? Tudo deu lugar ao tal tecnicamente perfeito.
E assim uma escola insossa como a Beija-Flor atual, que nem de longe lembra o tempo áureo de Joãosinho Trinta, é definida como campeã sem tirar 10 em tudo e sem empolgar uma só pessoa que não tenha ligação afetiva com a comunidade.
Tecnicamente perfeito? Pelo menos para a ditadura de Guiné Equatorial o desfile valeu cada centavo dos tais R$ 10 milhões.
Quanto ao desfile, este só serve mesmo de remédio para dormir. A frieza do tecnicamente perfeito é imbatível em nocautear o mais insone dos mortais.