O texto a seguir é de autoria do padre João Medeiros Filho e foi publicado na Tribuna do Norte de 30/10/18 na página 2.
"Alea iacta est"
As eleições marcaram o início de uma nova etapa na história do país. Foram precedidas por um período de polêmicas e polarizações. O Brasil pede mudanças urgentes e união. Uma vitória nas urnas não significa solução automática e imediata dos problemas. Para vencer os incontáveis desafios e desacertos passados, os que irão governar necessitam buscar respostas alicerçadas no humanismo, em princípios éticos e democráticos.
É ilusória a possibilidade de conquistar o bem comum, fora do ideal da democracia, adotando-se postura opressora. A autêntica cidadania - além de possibilitar a escolha dos representantes do povo nas eleições - deve assegurar aos governados a prerrogativa de acompanhar e fiscalizar a atuação dos governantes. O poder do Estado não deve ser apropriado e usado para interesses particulares ou conveniências de partidos. Os eleitos são dirigentes de todo um povo e não de siglas partidárias. A eleição não outorga o direito de propriedade do país e dos estados a quem quer que seja, mesmo a aqueles que tiveram excelente desempenho nas urnas. Talvez tenha sido esse o maior erro dos últimos anos.
Terminado o pleito, necessita-se renovar a compreensão de que a democracia requer um Estado regido pelo Direito e não meramente por interesses ideológicos. Os futuros governantes têm o dever de defender, antes de tudo, a liberdade e a justiça social e não a sua ideologia. Essa defesa vai além do respeito formal a determinadas regras constitucionais. É preciso zelar pelos direitos, pela dignidade humana, a busca do bem comum e de uma sociedade mais justa.
Sem o consenso sobre a importância de tais postulados, a pátria corre o risco de perder a sua estabilidade e harmonia. Por isso, é perigoso, quando os representantes do povo navegam pelo leito de um rio do relativismo ético, jurídico e administrativo. Isso conduz necessariamente à manipulação de valores, que passam a ser negociados, em vez de vividos, a partir de critérios dignos de respeito. Consequentemente, o exercício de representatividade deixa de ser eficaz, pois os poderes tornam-se trampolim para alcançar objetivos pouco nobres. Não raro confunde-se partido com nação ou estado. Uma democracia sem princípios humanistas converte-se em totalitarismo, aberto ou dissimulado. A história tem comprovado isto, aqui e alhures.
Para preservar a democracia é preciso agir em conformidade com a lei moral, soberana e capaz de sustentar o indispensável equilíbrio entre os cidadãos. O Papa Paulo VI dizia que "a moral é antes de tudo exigência e expressão externa do ser humano". Nesse horizonte, esperam-se humanismo e ética daqueles que exercerão o poder. Assim legitimar-se-á a autoridade perante o povo e conquistar-se-á a credibilidade. Deve ser compromisso inarredável dos próximos dirigentes a promoção da convivência pacífica e a sensibilidade perante os sofrimentos do povo (não apenas antes das eleições), privado de saúde e trabalho dignos, valorização profissional, segurança, educação e transporte de qualidade. Os eleitos podem subestimar a dimensão moral no exercício do mandato político. Foram escolhidos para o povo e não para os partidos. Seus votos vieram da população e esta deverá ser retribuída com serviços de qualidade. Lamentavelmente, são muitas as deformações do "sistema político brasileiro": corrupção, traição aos princípios morais e inaceitável negociação da justiça social. Exige-se qualificado desempenho dos que ocupam cargos públicos, mas também é indispensável a colaboração de cada cidadão, ao nortear os rumos do país. O brasileiro é desafiado a conquistar novos modos de agir. A primeira etapa foi o despertar da população para as ameaças graves e deletérias que afligem o Brasil. Houve também uma percepção de que o voto consciente inclui a certeza de que as eleições em si não têm força mágica com o poder imediato de mudar tudo. No entanto, constituem um passo importante na tarefa de percorrer um longo caminho. É preciso também estar consciente de que surgirão obstáculos inesperados, além dos inúmeros e graves problemas já existentes.
Expressou Augusto Cury, em carta aberta aos eleitores: "O próximo governante não será um herói e muito menos um deus, mas um líder imperfeito, um simples mortal". E afirma a Carta aos Hebreus: "A lei, às vezes, constitui pessoas sujeitas a fraquezas, mas Deus pode conceder a retidão" (Hb 7, 28).